28 de novembro de 2010

A PARTIDA... ou como tudo começou

Alta madrugada os meninos pularam da cama, vestiram-se e, pé ante pé, dirigiram-se ao pomar sem que Dona Benta percebesse coisa nenhuma.  Emília foi atrás, muito tesinha, também na ponta dos pés.  O Visconde, de canastra às costas, fechava o cortejo.  Assim que abriram a porteira, ouviram um canto de galo do lado do pé de goiaba.
__Cócóricócó!
Pedrinho reconheceu a "voz".
__É ele! - exclamou.  Já está à nossa espera no ponto marcado.
Correram todos para lá, mas como nada vissem, pararam desnorteados.  Nisto um segundo coricócó se fez ouvir no alto da goiabeira.  O menino invisível, além de guloso, não perdia tempo...
__Você está aí em cima? - perguntou Pedrinho, de nariz para o ar.
__Não está "vendo"? - respondeu a voz.  Acostume-se a saber onde estou sem me ver, e para dar a primeira lição atirou com uma casca de goiaba bem na cara de Pedrinho, dizendo - Aprendeu?
__Aprendi - respondeu Pedrinho rindo.  Agora desça,que quero apresentar minha prima Lúcia e os outros.
__Não é preciso.  Sei que Lúcia é essa do narizinho arrebitado.  A outra é a tal Emília, Marquesa de Rabicó.  Só não conheço o de cartolinha e canastra às costas.
__Este é o ilustre Senhor Visconde de Sabugosa, um sábio.
(...)
__Lembrei-me duma coisa - disse Pedrinho.  Como é muito enjoado lidar com um companheiro de viagem que a gente não pode ver, proponho que você traga uma pena no chapéu.  Pela pena saberemos onde você está.
__Seria ótima a ideia - respondeu a voz - se eu usasse chapéu.  Mas não uso coisa nenhuma sobre o corpo, senão todos me perceberiam e de nada valeria ser invisível.
__Ai que vergonha! - exclamou Emília tapando a cara com as mãos. Que não dirá Dona Benta quando souber que estamos na companhia dum ente que não usa roupas?
__Deixe de ser idiota, Emília - ralhou Narizinho.  Você não entende nada de criaturas invisíveis.
Não podendo usar a pena no chapéu, que não tinha, Pedrinho propôs que a amarrasse à testa com um fio.  Foi aprovada a ideia.  Mas onde pena e fio?
__Tenho uma de papagaio na minha bagagem - gritou Emília.  Arreia a carga, Visconde, e abra a canastra.
(...) A pena foi atada à testa do menino invisível e desde esse momento não houve mais dificuldade em lidar com ele.  A pena flutuante no ar indicava sua presença.
__Viva o Peninha! - gritou Emília - e aquele grito foi um batismo. Dali por diante só o iriam chamar assim - o Peninha.  Resolvido aquele ponto, trataram de partir.  Para isso menino invisível tirou dum saquinho certo pó de pirlimpimpim.  Deu uma pitada a cada um, e mandou que o cheirassem.  (...)  Assim que cheiraram o pó de pirlimpimpim, que é o pó mais mágico que as fadas inventaram, sentiram-se leves como plumas, e tontos, com uma zoeira nos ouvidos.  As árvores começaram a girar-lhes em torno como dançarinas de saiote de folhas e depois foram se apagando.  Parecia sonho.  Eles boiavam no espaço como bolhas de sabão levadas por um vento de extraordinárias rapidez.
(...)
A tonteira começou a passar e as árvores foram se tornando visíveis outra vez.  Segundos depois sentiram terra firme sob os pés.  Tinham chegado.  Os meninos abriram uns olhos do tamanho de goiabas.  Olharam em torno. (...)
__Estamos no País-das-Fábulas, também chamado Terra dos Animais Falantes - explicou Peninha.  Vamos começar aqui a nossa viagem pelo Mundo das Maravilhas.


MONTEIRO LOBATO. Pena de papagaio.  São Paulo: Brasiliense, 1982. (Reinações de Narizinho)

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